De acordo com o Carbon Monitor, a pandemia COVID-19 suspendeu o aumento das emissões de CO2 em 2020, registando uma queda de 4% face a 2019. A maior queda percentual registou-se no sector dos transportes devido aos confinamentos e consequentemente às restrições de vôos, enquanto que a maior redução absoluta foi verificada no sector da energia, principalmente motivada por uma menor necessidade e à redução significativa do consumo de carvão no mix energético.

Apesar desta notícia otimista, continuam a ser necessários esforços para atingir o objetivo da COP21 de limitar o aquecimento global abaixo dos 1,5 graus Celsius, o que nos leva ao tema principal deste artigo: Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono (CCUS).

Todos os cenários desenvolvidos por entidades reconhecidas, como a Agência Internacional de Energia (AIE) e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), confirmam que as instalações de CCUS são cruciais para alcançar a descarbonização da nossa sociedade e combater as alterações climáticas. A capacidade de evitar mais emissões dos processos atuais e de eliminar diretamente o CO2 da atmosfera terá de ser uma realidade, embora o investimento e o desenvolvimento destas soluções tenham sido mínimos nos últimos anos.

De acordo com a AIE, apenas 4 novas instalações foram desenvolvidas desde o nosso último artigo publicado em 2018, representando um total de 21 Instalações de Captura e Armazenamento de Carbono e que são responsáveis pela captura de menos de 40 Milhões de toneladas de CO2  por ano (Mtpa) em todo o mundo.

A evolução lenta deste tipo de tecnologia pode ser explicada por alguns fatores sendo o custo elevado o mais preponderante, especialmente em comparação com soluções como a geração eólica e produção solar, tornando-os mais atrativos para investimentos. Outros constrangimentos importantes estão relacionados com uma política climática menos rigorosa, especialmente ao nível da fixação de preços de carbono, fator crucial para desencorajar os atuais níveis de emissão e para tornar a CCUS economicamente atraente.

Figura 1 – AIE, Instalações mundiais de CCUS em grande escala em funcionamento e em desenvolvimento, 2010-2020, AIE, Paris https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/world-large-scale-ccus-facilities-operating-and-in-devel?opment-2010-2020

No entanto, o interesse tem vindo a crescer e tal é claro com os 30 projetos em fase de desenvolvimento que, juntamente com as atuais instalações já operacionais, serão responsáveis pela captura de 130 Mtpa.

O Cenário de Desenvolvimento Sustentável da AIE  projeta que as tecnologias CCUS serão responsáveis pela redução dos atuais 40 Mtpa de CO2 até aos 5 635 Mtpa até 2050, com a maior parte da captura de emissões proveniente do carvão e do gás natural.

Propagação da Captura e Armazenamento de Carbono

Das atuais 21 instalações operacionais em todo o Mundo, 14 são usadas para otimizar o processo de extração de petróleo e extrair gás natural como subproduto chamado EOR.

Para atingir a descarbonização, prevê-se que a CCUS seja aplicada nas seguintes áreas principais:

  • CCUS como parte da solução para a geração de energia

Sabe-se que a procura de eletricidade deverá aumentar nos próximos anos e sabe-se igualmente que atualmente a produção de energia representa já cerca de um terço das emissões globais de CO2, o que constitui uma área crucial de atuação.

Com a maioria dos países europeus com prazos para a eliminação progressiva do carvão, a principal preocupação vai para a China e outras economias asiáticas emergentes.

Ao integrar as instalações de CCUS, as atuais centrais de carvão podem continuar a funcionar e evitar a reforma antecipada e todos os encargos económicos e sociais que essa decisão implica.

Além disso, o aumento da produção renovável, especialmente das tecnologias eólicas e solares, aumentará a necessidade de produção de capacidade de back-up que terá de ser “controlada a pedido” para manter um funcionamento estável dos sistemas de energia, o que significa utilizar centrais a gás ou carvão. A CCUS deve ser considerada como uma solução para limitar as emissões de CO2 dessas tecnologias.

Figura 2 – AIE, Emissões mundiais de CO2 do sector energético das instalações industriais e elétricas existentes, 2019-2050, AIE, Paris https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/world-energy-sector-co2-emissions-from-existing-power-and-industrial-facilities-2019-2050

  • Uma solução para o sector industrial e para os transportes

A indústria pesada é responsável por 20% das emissões globais de CO2 e as tecnologias atuais tornam impossível pensar em alternativas aos combustíveis fósseis para realizar as suas atividades normais.

O mesmo acontece no sector dos transportes, incluindo o transporte rodoviário, a aviação e o transporte marítimo, onde alternativas aos combustíveis convencionais são ainda uma realidade longínqua.

De acordo com a AIE, as emissões de CO2 diretamente da indústria deverão aumentar de 8 para 10 mil milhões de toneladas por ano até 2060. No entanto, para atingir o objetivo do Acordo de Paris, estas emissões devem ser reduzidas para 4,7 mil milhões de toneladas durante o mesmo período e, segundo a mesma fonte, isso só pode ser conseguido investindo fortemente nas tecnologias CCS para eliminar o CO2 após os ciclos de produção. Entre 2017 e 2060, as instalações de captura de carbono devem ser responsáveis por travar 29 mil milhões de toneladas de sectores como o ferro e o aço, o químico e o cimento para atingir as metas climáticas.

  • Gás natural, um must have

Apesar da queda de 4% da procura de gás natural devido à pandemia COVID-19, a procura desta commodity deverá aumentar 14% até 2025 em comparação com 2020 e ainda mais além da necessidade de substituir o carvão na Ásia, América do Norte e na Europa. Espera-se que a mudança entre tecnologias reduza para metade os níveis de emissão, mas continuará a ser responsável por um nível significativo de emissões.

  • Tornar o hidrogénio viável

Um dos temas mais falados para a transição energética é o hidrogénio e espera-se que este desempenhe um papel fundamental na substituição dos combustíveis à base de hidrocarbonetos nos transportes, na substituição dos combustíveis fósseis no sector industrial, na utilização como armazenamento de energia para a produção de eletricidade e até para ser injetado juntamente com o fornecimento de gás natural.

De acordo com o último relatório do IPCC, 98% do hidrogénio atual é produzido a partir da gaseificação do carvão e da reforma do metano a vapor (SMR) a partir de gás natural, com ambos os métodos a produzirem grandes quantidades de emissões de CO2.  A forma mais limpa de produzir hidrogénio é através da eletrólise da água, alimentada por fontes renováveis, mas que atualmente representa apenas 0,3% do total de hidrogénio produzido.

As tecnologias de captura de carbono são uma forma rentável de contribuir para a transição energética através da implementação de tais tecnologias na gaseificação de carvão e nas vias de SMR a curto e médio prazo, uma vez que, de acordo com as estimativas da IRENA, o hidrogénio à base de energias renováveis deverá ser competitivo apenas em 2050.

Atualmente existem quatro instalações de hidrogénio SMR à escala industrial, com a CCS a produzir cerca de 800 mil toneladas de hidrogénio de baixo carbono por ano.

  • Indo mais longe, emissões negativas

Passar para uma sociedade de emissões Net-Zero é mais complexo do que parece e é necessário ir além da redução das emissões para atingir este objetivo, como tal é fulcral entrar na via das emissões negativas, o que significa remover ativamente o CO2 da atmosfera.

A importância da tecnologia CCUS para este fim é vital e atualmente existem as tecnologias que serão um “game-changer”: a BECCS e o DACCS.

A BECCS representa a Bioenergia com CCS e o princípio desta tecnologia é capturar e armazenar as emissões de CO2 provenientes da utilização da biomassa, denominada CO2 biogénica. Uma vez que a maioria dos regimes contabilísticos de GEE consideram que o CO2 do processo de combustão da biomassa é considerado como Net-Zero, capturando-o e armazenando-o será considerado como um impacto negativo nos níveis de CO2.

O interesse em torno do potencial da BECCS tem crescido significativamente junto das instalações de resíduos para energia (WTE), uma vez que uma parte do combustível à base de resíduos será de origem biogénica, como madeira, cartão, alimentos, etc. Ao capturar o CO2 do processo de combustão, as emissões globais das plantas tornar-se-ão negativas.

Figura 3 – Tecnologia BECCS. Fonte: Estatuto Global do CCS 2020 pelo Global CCS Institute

A tecnologia DACCS é o acrónimo para Direct Air Capture with Carbon Storage e este, como o nome indica, extrai CO2 diretamente do ar atmosférico.

No artigo anterior escrevemos sobre a Climeworks, uma empresa suíça que já era pioneira neste tipo de tecnologia. Esta tecnologia tem mais dificuldades que as outras porque é mais difícil de capturar CO2 da atmosfera, uma vez que é 99% menos concentrada do que um fluxo de gás de uma central elétrica alimentada a gás. No entanto, o DACCS tem algumas vantagens fundamentais:

  • As instalações de captura podem ser co-localizadas com locais de armazenamento que ajudam a reduzir os custos de transporte;
  • As centrais podem ser implementadas perto de ativos de energia renovável;
  • Ao instalar as instalações da DACCS em locais ventosos, serão necessários menos custos para os ventiladores.

Figura 4 – Tecnologia DACCS. Fonte: Estatuto Global do CCS 2020 pelo Global CCS Institute

Olhar de perto na Europa

Apenas 2 dos 21projetos em funcionamento em todo o mundo estão na Europa e ambos na Noruega, mas o interesse pela CCUS tem vindo a aumentar, com 11 projetos já em desenvolvimento e outros 11 esperados até 2030.

O impulso motivado pelo Green Deal Europeu e pela legislação sobre o clima conduziu ao desenvolvimento de uma política adicional da UE mais focada e apoiante junto das tecnologias de captura de carbono, o que parece ter finalmente aberto o caminho para a divulgação e desenvolvimento destas tecnologias na Europa.

Outro marco importante foi o Fundo de Inovação de 10 mil milhões de euros da UE, lançado em Julho de 2020, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono, que deverá ser utilizado para impulsionar vários projetos de CCUS.

A revisão do Plano De Objetivo Climático da UE para 2030 deverá beneficiar os projetos de CCS, revendo o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE e, quanto mais ambiciosas forem as metas, maior pressão existirá para procurar formas de reduzir os níveis de emissões de dióxido de carbono.

Até 2023, deverá ser lançado um quadro comunitário de certificação para a remoção de carbono, o que certamente incentivará o investimento em tecnologias de emissões negativas, como o BECCS e o DACCS.

Em Outubro de 2019, foi aprovada uma proposta de resolução apresentada conjuntamente pelos governos Holandês e Norueguês que permite uma “aplicação provisória” da alteração de 2009, dando “consentimento ao transporte transfronteiriço de dióxido de carbono para efeitos de armazenamento geológico sem incumprimento dos compromissos internacionais”. Esta nova alteração foi crucial para a Europa e para o desenvolvimento de mais projetos da CCUS.

A nível nacional, os países mais ativos que lideram em termos de desenvolvimento político para incentivar as instalações da Captura e Armazenamento de Carbono são a Noruega, a Holanda e o Reino Unido. No Reino Unido, pelo menos 800 milhões de libras serão utilizadas para criar clusters de CCS em pelo menos duas instalações nos próximos 10 anos, enquanto que o governo dos Países Baixos disponibilizará 5 mil milhões de euros para uma variedade de tecnologias que ajudem a evitar as emissões de CO2.  A Noruega teve uma abordagem diferente, direcionando-se a projetos específicos como o apoio à aceleração do projeto Longship e apoiando a avaliação da captura de carbono das instalações de incineração em três cidades.

Os restantes países parecem estar a acompanhar de perto as diferentes abordagens dos países líderes, sem especificar quaisquer medidas concretas em relação às tecnologias da CCUS. A única surpresa foi o reconhecimento feito pela Chanceler alemã ao afirmar que a captura e armazenamento de carbono são cruciais para a neutralidade climática.

A iniciativa mais famosa a nível Europeu é a Northern Lights,  na Noruega, que está a desenvolver uma infraestrutura aberta e flexível para transportar CO2 de locais de captura por navio até a um terminal de armazenamento intermédio para posteriormente ser transportado por gasoduto até um armazenamento permanente. O primeiro projeto será o  Longship  e a fase 1 deverá estar concluída até 2024.

Figura 5 – Northern Lights Project. fonte: Estado Global do CCS 2020

Outros projetos importantes liderados pelo Reino Unido e pelos Países Baixos visam armazenar dióxido de carbono no Mar do Norte, mas surpreendentemente a Itália anunciou no ano passado que tem planos para construir um dos maiores centros de captura e armazenamento de CO2 do mundo nas instalações da ENI no Porto de Ravenna, utilizando os reservatórios de gás offshore esgotados para capturar emissões provenientes de centrais industriais e de energia em atividade. A confirmar-se este seria o primeiro projeto fora do Mar do Norte.

É agora?

A mentalidade parece ter mudado e os governos finalmente entendem que não haverá um futuro Net-Zero sem uma implementação eficaz e uma utilização significativa de tecnologias de captura e armazenamento de carbono na Europa e em todo o mundo. O pipeline de projetos é maior do que nunca e o apoio de entidades governamentais e até de empresas-chave parecem estar alinhados na direção certa.

Na Europa, foram dados passos importantes no ano passado, num ano tão difícil, o que pode constituir um sinal da seriedade e da posição firme que a União Europeia tem em relação às alterações climáticas e à transição energética para uma economia de baixo carbono. Mas ainda há outros marcos importantes a atingir este ano e nos próximos para ajudar as tecnologias CCS a atingir o nível de maturidade desejado.

Jorge Seabra | Energy Consultant

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