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O mundo do átomo carrega muitos nomes. Alguns são famosos, como Rutherford, Bohr ou Fermi, mas houve muitos outros, tanto antes (como Pierre e Marie Curie) como depois (como Otto Hahn ou Lise Meitner). De facto, foi o sobrinho de Lise – Otto Frisch – que confirmou experimentalmente, em 1939, que romper um núcleo específico de Urânio (cisão nuclear) libertava uma quantidade incrível de energia, descoberta que lhe garantiu um lugar no Projeto Manhattan.
Muito aconteceu desde então, não só historicamente, mas também cientifica e tecnicamente. Estes avanços abrem a porta à imaginação no que toca à possibilidade da fusão nuclear, noutras palavras, fundir núcleos de átomos, replicando o mecanismo que está no coração das estrelas, aqui mesmo no nosso planeta e, porque não, fora dele também.
As vantagens de atingir esta fonte de energia são tão belas quanto portentosas:
As vantagens de atingir esta fonte de energia são tão belas quanto portentosas:
- A fusão nuclear poderia libertar até 4 vezes mais energia que a cisão e 4 milhões de vezes mais energia que a queima de combustíveis fósseis e, se feita de forma controlada, seria manipulável, o que significa que seria possível gerar uma carga base e interagir com a rede elétrica sem problemas de regulação;
- Os combustíveis utilizados na fusão são (na sua grande maioria) quase inesgotáveis;
- Não existe absolutamente nenhuma libertação de gases de efeito de estufa;
- Não gera resíduos radioativos de longa duração (a fusão nuclear deixaria os materiais radioativos por somente um século aproximadamente, quando comparada com as dezenas de milhares de anos dos resíduos radioativos provenientes da cisão);
- Embora alguns dos possíveis combustíveis utilizados em fusão sejam radioativos e, portanto, representem um problema de segurança importante, não podem ser utilizados diretamente para criar uma bomba, pelo que são muito menos perigosos que por exemplo Urânio enriquecido, isto sem mencionar que existem alternativas de fusão que não utilizam (nem geram) combustíveis radioativos;
- Totalmente segura de um ponto de vista operacional já que, se houvesse um problema operativo ou um acidente (como um sismo ou uma explosão), não existiria risco para a população porque não há perigo de uma reação em cadeia e há muito pouco combustível dentro do reator em qualquer momento.
Mas todos estes critérios, quando postos em conjunto, soam quase a milagre, nada mais que ficção científica, o que gera a dúvida legítima de se é realmente possível fundir átomos. A resposta é claramente: sim! Não só é possível mas provavelmente, nalgum lugar do Mundo, está a acontecer enquanto lê estas palavras.
Ainda assim, podemos obter fusão nuclear fora do laboratório, gerando energia elétrica numa quantidade tal que nos permita alimentar cidades, carros, comboios ou missões espaciais, tudo isto de uma forma perfeitamente estável e com um custo razoável? A verdade é que não há resposta a esta pergunta, pelo menos por agora. De facto, muitos acreditam que a fusão nuclear a nível comercial é tão real como a existência de um unicórnio.
O único que se sabe ao certo é que este é um debate aceso que gera opiniões apaixonadas, tanto do lado do “sim” como do “não” e qualquer uma das respostas é forçosamente bastante complexa. Neste artigo tentarei despertar o interesse do leitor para este tema e, numa segunda parte, tentarei apresentar os argumentos de ambos lados para que o leitor possa decidir por si mesmo.
O básico
É difícil apresentar o positivo e o negativo de uma tecnologia deste tipo sem antes introduzir os conceitos fundamentais que a suportam. Isto é sinónimo de simplificar temas que não são assim tão simples. Dito isto, todos sabemos que os átomos são compostos de eletrões (partículas mesmo muito pequenas e com carga elétrica negativa) que “orbitam” um núcleo composto de protões (partículas com carga elétrica positiva) e neutrões (partículas sem carga elétrica).
O que define um átomo é o número de protões existentes no núcleo, por exemplo, um núcleo com um protão é um Hidrogénio (H) ao passo que um núcleo com dois protões é um Hélio (He). No entanto, todos os átomos podem ter mais ou menos neutrões no núcleo. A todas estas possíveis variações dá-se o nome de isótopo. Os isótopos são definidos pela soma do número de protões e neutrões no núcleo, por exemplo, um átomo de hidrogénio com 2 neutrões e 1 protão tem um número de massa de 3. Poderia chamar-lhe “Hidrogénio-3” ou, neste caso particular, pelo nome chique de Trítio.
Mas não é só o número de neutrões que pode variar, mantendo mesmo número de massa (isto é, a soma do número de protões e neutrões) pode variar também o número de eletrões que “orbitam” o núcleo. Estas variações são conhecidas como iões.
Ora bem, a fusão consegue-se aquecendo um combustível (isótopos de átomos leves) até se obter um plasma (um estado da matéria, tal como os estados líquido ou sólido, composto de um cocktail de iões e eletrões livres) à temperatura absurdamente elevada de 100 milhões de graus centígrados. A estas temperaturas os isótopos do combustível fundem-se, libertando uma quantidade enorme de energia que, uma vez convertida em calor, pode ser reconvertida noutras formas mais úteis de energia, em particular energia elétrica.
Mas como? Ora bem, lembra-se da famosa equação de Einstein E=mc2? O que isto nos diz é que massa e energia são duas caras da mesma moeda, portanto uma perda de massa tem o seu equivalente em energia. Mas quanta energia? A resposta reside na energia de ligação nuclear de um determinado isótopo, isto é, a energia necessária para separar um neutrão ou protão de um núcleo. Imagine que alguns átomos e isótopos são “mais eficientes” que outros, portanto, requerem menos energia para realizar a mesma ação (neste caso essa ação é manter os nucleões unidos)
Se observarmos o gráfico anterior veremos que o Urânio tem uma energia de ligação nuclear (EL) inferior aos átomos que o precedem, logo, se “partirmos” este átomo noutros mais pequenos (com maior EL) estes serão “mais eficientes”, pesarão menos, e essa diferença de massa será convertida em energia libertando-se sob várias formas (e temos a já conhecida reação de cisão). No entanto, podemos começar pelo extremo oposto e verificamos que, ao unir isótopos com menor EL para criar outros com maior EL, o resultado final será também “mais eficiente” (e pesará menos) logo libertará energia (e obtemos a energia proveniente da fusão).
Agora que já tem um Doutoramento em Física Nuclear, vamos ver algumas particularidades.
O problema do combustível
Deutério (D) (ou, por outras palavras, o típico átomo de hidrogénio) é um isótopo do átomo Hidrogénio que existe na Natureza, em particular na água (conhecida como água pesada), portanto é não-poluente e relativamente barato de produzir.
Ainda assim, o mesmo não se pode dizer do Trítio (T), que não existe na Natureza, é altamente radioativo e somente tem uma semivida de sensivelmente 12 anos. Definitivamente este não é o combustível mais fixe, mas a pior parte é que simplesmente não existe… em lugar algum (pelo menos para efeitos práticos). Atualmente o trítio é extraído em algumas centrais nucleares muito particulares, mas a um custo exorbitante e incomportável – na ordem das dezenas de milhões de dólares. Como se não bastasse, estas centrais não estão a ficar mais jovens, o que significa que provavelmente deixarão de operar nas próximas décadas. Se contabilizarmos o decaimento dos stocks atualmente existentes, a reserva global deste material deve rondar uns meros 20kg! Os Estados Unidos operam uma central especial de extração deste material, mas atualmente faz parte do seu programa de armamento nuclear.
O Hélio-3 é também um isótopo estável e existe na Natureza embora em quantidades muito pequenas, unicamente 0.000137% de todo o Hélio disponível no Planeta. Ainda assim, existe muito Hélio-3 na superfície lunar, o que está a gerar muita especulação sobre a viabilidade de operações de extração mineira no nosso satélite natural.
O Boro é estável e não tóxico. Também existe na Natureza e tem “apenas” um custo aproximado de 5.000 USD/kg.
Ora bem, dadas as escolhas anteriores, que combustível deveríamos utilizar? D-D parece uma boa escolha. Mas a probabilidade de conseguir uma reação de fusão usando reações D-D é 1000 vezes inferior a reações D-T e 100 vezes inferior a reações D-3He! Portanto, utilizando o tipo mais experimentado de reator – o TOKAMAK (o qual veremos mais em detalhe na segunda parte) – e às temperaturas que esperamos atingir com os nossos melhores protótipos estamos atualmente presos a reações do tipo D-T e, como vimos, o Trítio não é nada fixe.
Mas a história não termina aqui. Como o objetivo é que um reator deste tipo tenha uma operação (quase) contínua e o Trítio não é o material mais abundante do Planeta (eufemisticamente falando), durante a reação precisamos de gerar mais trítio do que aquele que consumimos. Espera-se que isto possa ser realizado bombardeando isótopos de lítio com os neutrões ejetados pelas reações de fusão. No entanto, este processo implica revestir o reator com o que designam por “cobertor”: uma barreira de lítio entre 0,5 e 1m de espessura, ou seja milhares de toneladas de lítio. Como o lítio não é a coisa mais fácil de obter, qualquer projeto que procure utilizar esta tecnologia verá o seu custo incrementado em dezenas (e talvez até centenas) de milhões de dólares. Mas o pior não fica por aqui, porque nem sequer se sabe se é possível gerar a quantidade esperada de trítio desta forma, já que a maioria da investigação ao respeito é baseada em simulações numéricas.
O que esperar?
Tristemente as coisas não ficam mais fáceis para os entusiastas desta tecnologia, já que o combustível é meramente o primeiro de inúmeros obstáculos no caminho a uma reação constante. Suster o plasma, resistência de materiais ou os óbvios insustentáveis custos de construção e manutenção são outros dos problemas que terão que ser atacados e vencidos. Tudo isto, num intervalo de tempo considerável, onde as tecnologias de energia renovável e de armazenamento continuarão a evoluir (quem sabe as eficiências e estabilidade que conseguiremos num par de décadas).
Mas, antes de desistir, gastemos um minuto a pensar no potencial de uma forma de energia regulável, limpa, segura, barata, quase inesgotável e talvez até super transportável! Estamos a falar de transportes ultra rápidos e ultra baratos (desde conceitos como o Hyperloop ou voos intercontinentais 100% elétricos, até realidades como o Maglev), redução a 0 das nossas emissões de CO2 em apenas umas décadas (por oposição aos vários séculos que temos por diante a este ritmo) ou até mesmo viajar da Terra a Marte em apenas umas horas.
Os otimistas não deverão desesperar por agora, porque nem toda tecnologia de fusão é igual entre si. Embora o Tokamak seja o desenho mais extensivamente estudado em larga escala, há indivíduos e empresas a perseguir o sonho da fusão de várias maneiras que são tão diferentes entre si como a água é do vinho e, algumas destas tecnologias, já demonstraram resultados muito interessantes e (em teoria) são mais económicas, mais compactas e ordens de magnitude menos problemáticas que um reator do tipo Tokamak.
Na segunda parte deste artigo veremos em detalhe alguns dos concorrentes nesta corrida e quais as diferenças entre si e tentaremos compará-los às tecnologias de energia renovável e de cisão nuclear. Termino pedindo ao leitor que imagine tudo o que poderíamos conseguir con uma fonte de energia deste calibre.
Hugo Martins | Energy Consultant
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